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quarta-feira, 13 de maio de 2009

da indiferença, vilém flusser


[já tinha lido uma coisa ou outra deste judeu radicado no brasil, mas tenho tido mais contato com os escritos de VILÉM FLUSSER, recentemente, por causa do artigo que estou escrevendo como trabalho de conclusão de curso para a pós-graduação na USP. daí que encontro este texto dele - que nada tem a ver com meu projeto - e que trata da indiferença. é curto, segue o viés filosófico e foi publicado em março de 1972 na folha de são paulo]

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Temos, enquanto ocidentais, dois e apenas dois modelos para a morte. A morte do Cristo na Cruz, e a morte de Sócrates dialogando. Prova radical que somos, enquanto ocidentais, uma síntese malograda entre judeus e gregos. Malograda, porque, ao imaginarmos a hora da nossa morte, não sabemos como queremos morrer: apaixonadamente ou impassíveis - embora, muito provavelmente, na hora da morte isto não conte.

Imitação de Cristo ou de Sócrates: eis no fundo nossa escolha. Ser santo ou engajado ser filosofo ou contemplativo. Do ponto de vista cristão a escolha socrática é escolha da alienação e do pecado. Do ponto de vista socrático a escolha cristã é escolha da ilusão e do eng­ano. Não há maior pecado do ponto de vista cristão que a "tristeza do coração", isto é, desamor, indiferença. E não há maior engano do ponto de vista socrático que o deter "opiniões", ou seja, afastar-se da sabedoria. Escolhas estas que não podem ser sintetizadas.

Temos exemplos radiantes da indiferença socrática: tanto da indiferença aos movimentos em meu redor, ataraxia, quanto da indiferença aos sofrimentos no meu intimo, apatia. Como, por exemplo, o herói que morre indiferente as dores; o imperador romano que morre em pé, congelado em cubo de gelo; o bruxo medieval que morre calmo e sorri dente na fogueira; o gentleman inglês que morre fumando cachimbo; o aristocrata francês que se dirige à Guilhotina escolhendo o perfume apropriado; Goethe que morre escrevendo; ou ainda, o hippie atual que morre em reedição do gentleman, "à bout de souffle" acendendo cigarro. O comum a todos os exemplos é a morte, e a vida com dignidade, isto é: esteticamente. Ter vida e morte belas, limpas, não sujas de sangue.

A indiferença elaborou, ao longo da historia do Ocidente, duas grandes ideologias. A estóica na Antiguidade, a classista na Idade Moderna. Dois grandes impérios, o romano e o britânico, elevaram a indiferença em ideal oficial e predominante. O ideal do gentleman inglês - aquele que carrega o fardo do "homem branco" - pode ser resumido nesta famosa sentença: ter consciência e camisa limpa. Nada é capaz perturbá-lo e, portanto, nada pode sujá-lo. É "impecável".

O grande confronto entre as duas maneiras de vida ocidental, entre amor e indiferença, se dá no confronto entre Cristo e Pilatos. Um, cujo rosto está sujo da saliva de seus inimigos, de suor e de sangue. O outro, que lava as mãos em bacia elegantemente servida por escravos. Tal encontro pré-figura a historia toda do Ocidente. Na atualidade, por exemplo: confronto entre engajado e tecnocrata.

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6 comentários:

CajadOmatic disse...

Puxa dois modelos de morte? Mas os dois nao estavam fazendo a mesma coisa? Nao foram ambos acusados de perversao e porisso executados?

Curiosa esta opçao ocidental de modelos nao ocidentais.

Pessoalmente eu prefiro a morte inesperada, nem apaixonada nem impassivel mas a morte como fato inevitavel e inexoravel como parte de nossas poucas certezas.

O grande problema da indiferença me parece ter origem na preocupaçao pela propriedade e pelo status quo, mas isso mereceria muitas laudas mais de reflexao.

A imagem final do amor vs indiferença é perfeito embora meio biblico. Pilatos se lavando da culpa por condenar um pregador do amor é verdadeiramente forte e repete-se diariamente bem diante de nossos olhos sem que nada efetivo possa ser feito que nao o exercicio de pensar e indignar-se

sueli aduan disse...

Lucas Guedes:
só pra dizer que gostei do que vi por aqui,ainda que rapidamente.
Volto,com certeza, com mais tempo.
abs

Rodrigo Artur Nascimento disse...

Eu me alinho mais a Sócrates e de preferência limpinho.

Anônimo disse...

Por aquelas imensas coincidencias, o texto para amanhã com Heloísa é do Fusser. Mandaram link por email, depois te mando. abço

Eduardo Araújo

Cleyton Cabral disse...

Que texto bom! =D

Quase um ensaio...

Lucas disse...

Puxa, seu texto é bem inteligente. Coisa de gente lúcida, etc.

Seu último parágrafo deu a impressão de que vc queria falar mais. Acho que o assunto está bem aberto ainda.

A questão de Engajado x Tecnocrata merece mais um texto.

Abraço