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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

madalena

#2

não estava perdida, mas tinha a sensação de que não voltaria pra sua casa depois daquela noite. tinha passado por maus momentos desde aquele dia em que acordou e não tinha mais ninguém em sua casa, a não ser as sombras de um passado não tão distante. sua casa era grande e a varanda circundava quase toda sua extensão. a vista de seu quarto dava para o cemitério são paulo, mas isso nunca chegou a ser motivo de medo.

sabia que os que estavam lá eram apenas lembranças e ossos.

foram várias as vezes em que presenciou garotas e garotos pulando o muro, sempre com uma garrafa na mão. sentira vontade de fazer o mesmo, mas não via sentido naquilo. preferia velar os mortos de sua casa.

durante a primeira viagem com o dragão ela só pensava nos pais e na irmã mais nova e não conseguia entender o motivo que os fez desaparecer assim, de uma hora pra outra.

segurou mais forte em seu pescoço quando percebeu que o dragão - ainda sem nome - ia aumentar a velocidade e fazer uma curva. e foi neste momento que percebeu que a vila madalena não era apenas o bairro em que nasceu e cresceu.

era um filme que estava apenas nos créditos iniciais.


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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

max

desde que recebi a notícia, agora de manhã, que meu amigo rafael, o max, morreu num acidente de carro esta madrugada, não consigo fazer nada, a não ser escrever e chorar. ainda não consegui sair do sofá e estou sem coragem de encarar o mundo fora dos portões deste prédio. meu deus, como vai ser este mundo sem o max? eu sei que eu e mais todos os zilhões de amigos dele vamos ficar tristes por vários dias, nunca vamos o esquecer, mas nossa vida vai continuar. a dele não.

e por isso não vou fazer homenagem póstuma. o max sabia o quanto eu gostava dele, o quanto eu o aconselhei a largar a faculdade de contábeis e estudar música, o quanto nós éramos diferentes e ligados por uma coisa que não sei o nome.

é verdade, já fazia muito tempo que não nos víamos, mas sempre que possível trocávamos mensagens e marcávamos encontros que nunca aconteciam. lembro de um dia que ele me disse que quando crescesse queria ser igual a mim. imagine... o max, uma das pessoas mais sensacionais do mundo querendo ser igual a mim! não max, definitivamente eu não sou um bom exemplo pra você, eu disse. aí ele disse que eu não sabia o valor que eu tinha na vida dele.

sinceramente eu não sei o que pude contribuir na vida do max, mas sei da contribuição dele na minha. sempre tentar achar algo positivo em meio à diversidade é uma delas. companheirismo é outra. e se eu parar pra pensar vou elencar outras e outras e outras...

mas buscando algumas trocas de email, encontrei várias mensagens entre nós. algumas cobranças, alguns convites e muito carinho, sempre. escolhi duas pra deixar aqui guardado e publicado. como disse, não vou fazer homenagem póstuma, mas queria dizer que max, quando crescer, eu quero ser igual a você.

++++

[JANEIRO, 2008]

E ai amigo,
tudo bom???
tive um ótimo ano .... e encerrei muito bem com as festas....
2007 deixou boas lembranças e agradeço vc tb por ter participado de algumas delas....
(não vou esquecer que assisti uma peça teatral toda em espanhol sem legenda hehehehe)
tive muita diversão, alegria. Tb tiveram momentos ruins....mas na balança acho que o ano foi melhor q o esperado....
agora é batalhar para que 2008 seja bom....
Te desejo um ótimo ano de 2008,
espero que seus planos pessoais possam ser alcaçados.... que conheça muita gente legal.... e que vc continuea cada passo, a cada lugar em que seus pés pisarem, a trazer alegria a todos que estiverem a sua volta como foi em 2007.
Obrigado pela sua amizade sempre....
Que Deus te abençõe e te acompanhe durante esse ano...
Abraço.
Max

+++++

[JANEIRO, 2011]


Oiiii Lucas,

tudo bom???
Cara, lembrei de vc hoje... faz tempo que não te vejo.
Bom ... velhos amigos, apesar da distância, não são esquecidos.

Como anda a vida??? por onde andas!!!
Nossa... ando querendo fazer que nem vc sabia... sumir do mapa rsrsrs....

Boas festas pra vc.

Gde abraço.

Max
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

apenas o registro de um dia tipicamente atípico

assim como todas as músicas que gosto, esta também tem sua história. não cabe aqui explicação alguma, a letra nem é assim tão extraordinária como as outras do caetano, mas ainda assim, pra mim, é uma obra de arte.

fica aqui o registro desta poesia cantada, escrita e sentida, enquanto aguardo na varanda por esta chuva muito bem-vinda que findará a noite em são paulo.

e durmo tranquilo um sono que não é meu.

14 de fev de 2011
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Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer
Assim, de um modo explícito

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos

Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio
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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

madalena

#1

nunca havia entrado naquele beco antes. talvez pelo cheiro de maconha, mijo, esgoto e arruda. ou talvez pela simples ausência de motivo que justificasse uma visita. mas queria entrar. e nem o portão semi-aberto tal qual o filme de hitchcock iria impedi-la. entrou.

a luz da lua fazia sombra nas paredes grafitadas. não sabia ao certo o que a esperava, mas via dragões, flores, olhos, nuvens. nada fazia sentido e o medo do escuro era sua única companhia.

andava rente à parede, entorpecida por uma droga incolor. incolor não, invisível. invisível não, imaginária. era como se quisesse estar drogada para ser igual aos outros fantasmas que ali estavam.

os desenhos todos formavam uma mistura que não fazia bem àquela garota que só queria se esconder. mas como sumir em meio aos dragões grafitados nas paredes de um beco? como desaparecer entre flores e olhos e nuvens. e a luz da lua que insistia em acompanhá-la como uma estrela de belém?

andou mais um pouco e pela primeira vez teve dúvidas. se entrasse a direita sairia numa rua que não conhecia, mas que ao certo a levaria para fora daquele refúgio. seguiu reto e seus passos eram como os de quem pisa em vidros. só parou quando ouviu uma voz que não era de homem nem de mulher.

não assustou quando percebeu que quem falara com ela era o dragão. tão pouco teve medo da criatura que saíra da parede se espreguiçando como quem diz estou cansado de ficar imóvel enquanto as pessoas passam e me observam com cara de ó que lindo ou ó que feio ou ó que estranho.

aceitou o convite do dragão e saiu para um passeio que mudaria sua vida pra sempre.

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

deus e o realejo


eu não acredito em muita coisa, essa é a verdade, mas deus existe. o que eu chamo de deus você pode chamar de, sei lá, destino, tarot, magia, bruxaria, numerologia, horóscopo, iemanjá, pra mim pouco importa. o deus que acredito fala comigo e me ouve. o problema é que eu nunca o ouço. até ouço, mas muitas vezes deixo pra lá em razão dos meus próprios desejos, vontades e da minha prepotência que me é notável.

agora você me pergunta como ele fala. olha, eu tive uma única experiência mega marcante em que, numa crise de depressão, deus entrou no meu quarto, me cutucou e me deu o abraço mais lindo e sincero que recebi em toda a minha vida. teve outra vez que o carro em que eu estava capotou três vezes, atravessou a estrada para o outro lado da pista e deus parou antes que batesse numa árvore. eu o vi nesse dia e ele fez um sinal de "espere" com as mãos. eu entendi que não era a hora de morrer.

e assim vem sendo durante toda essa minha vida de cabeçadas, tropeçadas e um acerto aqui e outro ali. ah, mas nem sempre deus é assim tão claro, viu? às vezes ele fala comigo usando um amigo, um professor, um mendigo, uma puta. ele já me chamou atenção através de música, filme, peça e pasme, até num espetáculo de dança que vi ontem. não fosse pejorativo eu diria que deus é f*da.

daí que um dia andando pela paulista no dia do show da minha musa amywinehalls, deus pede pra eu parar num realejo. o papagaio me cobra dois reais, faz uma graça e tira um papel. é a minha sorte. entre promessas de riqueza e um excelente futuro profissional, uma bomba:

"cuidado: você será enganado por uma pessoa de sua extrema confiança"

mas a gente vive sendo enganado, não é mesmo? eu mesmo enganei várias vezes e muitas outras me vejo enganando os outros e a mim mesmo. mas o que é a vida se não uma sucessão de pequenos e grandes enganos? white lies and stuff like that. e foi assim que deus falou comigo de novo, pelo bico de um papagaio.

eu só não sabia que a profecia se cumpriria tão rápido.

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