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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O QUE VOCÊ FARIA SE EU MORRESSE HOJE, POR FELLIPE FERNANDES


Talvez você se lembre, quem sabe não. Gosto de pensar que sou parte estribilhos franceses em audições particulares. Gosto de pensar que somos.

Você: todo-ouvidos. Seja valente – não faça uso do que há debaixo de nossa cama. Ouça a chuva, sinta o frio, a fome, cheire a duração das horas: quilômetros molhados e partidas verdes sob o sol. Cruze, então, os dedos para que eu me afogue em seus olhos.

Salve-me (seja meu guarda-chuva) com hálito de álcool e gordura de frango de botequim. A maldição, você sabe, é aparência da felicidade e a juventude há muito não é seu charme.

Eu serei bruto. Duro. Sulcado com veias. Estou ardendo por abrir as portas e, longe das angústias, deixar o cheiro do jantar colorir o mundo. Sem você. Quem sabe não – manchando com vinho desejos que contamos a ninguém.

O que me sustenta na vida também a consome: e cada dia sou mais e sou menos. Descubra a etnia do cotidiano e desenhe sonhos ornitológicos para cabeças de boa gente. Deseje a onipresença em minha luxúria.
O que você faria se eu morresse hoje, você me pergunta. Sem dar por brilho de um sol que nos mata com navalhas invisíveis, eu lhe respondo sem movimento de língua na palma da mão que vasculha sua parte íntima:

__eu morreria amanhã.
***
Fellipe Fernandes é um escritor que gosta de tonar ficção a própria vida. Colabora com o blog la belle du jour 
MODA, BELEZA, MÚSICA, ARTE, TENDÊNCIAS  na coluna “Consultório Sentimental” e escreve no blog Memórias de um Jovem Senhor.

Texto publicado originalmente aqui.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

vivo

você quer chegar rápido em casa, mas só tem ônibus pra dali a uma hora. você faz o esperto e compra passagem pra cidade vizinha (a próxima depois da sua) paga mais caro, mas poxa, sai em 10 minutos e você vai fazer charme pro motorista parar perto da sua casa, que é caminho. você dorme no ônibus e o ônibus corre muito e chove muito e o ônibus perde o freio e se você não estivesse dormindo, acharia que ia morrer, como os outros passageiros acharam. você não morre, o ônibus resolve parar no meio da estrada e você fica feliz por estar vivo e espera, espera, espera e entra naquele que ia sair dali a uma hora. e chega em casa. não rápido, mas vivo.