[daí que, na casa de um colega, digo que amo este poema. e ele, pra esnobar, mostra o livro autografado pelo próprio joão cabral. e eu, que não sei nada de poesia, amo. amo como quem não conhece, por isso amo. amo a construção dos versos, a simplicidade das palavras e a complexidade das ações repetidas. gosto da sonoridade, gosto da relação do rio com o homem com o cão e suas margens - a margem do rio à margem do homem, do cão. eu gosto da palavra espessa, eu gosto da voz de joão cabral. como o real é espesso, a maçã é espessa, a árvore é espessa, o poema também é. eu, que não sei a diferença entre poesia e poema, admiro joão cabral de melo neto. admiro a literatura, admiro palavras umas após as outras numa linha horizontal e admiro versos pequenos e bonitos, uns abaixo, outros acima. com rima ou sem rima. gosto mesmo é de poema. e de poesia]
Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.
Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.
O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.
Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.
Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.
Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.
E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.
Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.
Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).
.
.
.
14 comentários:
ei, ei!
você me mandou esse discurso do capibaribe para ouvir, um dia. e eu gostei muito.
:)
entende de poesia quem sabe se emocionar com ela.
beijo!
'porque é mais espessa a vida que se luta cada dia, o dia que se adquire cada dia'. clap clap.
não sei se você conhece esse curta (Recife de dentro pra fora). se não, cá estão os links:
parte I -
http://www.youtube.com/watch?v=AfZ-DK03C6I
parte II -
http://www.youtube.com/watch?v=zySy12S4bnA&feature=related
apesar do apresentador chamar o rio CAPIBARIBE de JAGUARIBE; do tamanho do vídeo ser pequeno demais; e da qualidade do som ser péssima, dá pra ter uma idéia do vídeo e da versão musicada do poema de joão cabral.
Eu amo quem ama João. Pode ser um cão com ou sem plumas.
nao gosto de gente que esnoba...
nao gosto de gente que esnoba...
Droga! Cai do gmail e não tô conseguindo voltar. Depois falamos. Abçs.
Nossa lindo...lindo....lindooo
Gosto um tantão (assim ôoo)de João Cabral de Melo Neto....gostei muito de:
As duas cidades, Os dois mares, Outros rios, Conversa de rios e Alto do Trapuá...as poucas quirelas que conheço...
Já este desconhecido...
E o video do gato e rato é muito, muito fofo...mas triste que só...(dá vontade de chorar)..assisti + ou - 5 x.....de tanto q gostei...
Sem palavras quanto ao poema/poesia. Lucas, estou sensibilizado com o que escreveu. Um falso poema, uma leveza. O vídeo é lindo. Abraços.
aos novos visitantes, conrado, vi o vídeo. bonito demais. obrigado.
'Ana', já vi seus comentários gentis em outro blog e deve ter sido de lá que me achou. Confesso, amei. Você tem blog?
Victor, gosto de saber que o que escrevi sensibilizou você. Adorei seus primeiros posts.
Não entendendo de poema e nem poesia, assim como você, mas amando toda forma de expressão que me sensibiliza e emociona, digo que me pareceu por um momento, que você fez algo parecido no começo do texto.
Um beijo.
Oi Lucas!
Gentileza sua em dizer isto.Não coloco o link por pura discrição...não é para fazer ar de mistério não rs. Como faço o meu de "diarinho" deixo para meu deleite, muitas vezes esqueço que é um blog e escrevo, escrevo, mais a cerca de mim e no fim tudo vira futilidade....não há dicas bacanas ou coisas diferentes como neste ou no revide ou apenas palavras...mas como sou leitora assídua, permito vc ler minhas futilidades ok...rs
tô lá na Santinon, ela me "obrigou" a colocar o link... (risos)...penúltimo post...
bj.
ahhhhhhh detalhe...
se não me engano,vc já havia me achado....
tem coments seu de
....é linda esta música! Caetano Veloso.
agora como??? só Jesus sabe viu!!!
hahah
ana, se tenho um vicio, é frequentar blogs e se passei pelo seu e comentei é porque deve ser bom... ahahah. agora já sei qual é. grande beijo.
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