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terça-feira, 31 de julho de 2007

sonhei que morri

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[pela primeira vez sonhei que morri. aos poucos o sangue parou de circular, o coração foi batendo cada vez mais devagar e o ar quase não entrava em minhas narinas. antes, porém, com a família toda em volta da cama, dei as últimas instruções sobre a divisão de meus bens. vendam tudo, eu disse. abram um sebo e vendam os livros à um, dois e cinco reais. os mais finos, um real. os médios, dois e os mais espessos, cinco. apontei para conversa na catedral, do vargas llosa, que estava há anos na prateleira e nunca foi lido. cinco reais. pode vender este aí por cinco reais que tá bom. vendam também os discos, cds e vhs. foi então que alguém perguntou porque eu estava morrendo. eu não lembrava. mas comentei que aquela era uma morte boa. tanta gente morre em desastre de avião, em assassinato e muitas vezes nem há tempo de se despedir. eu tinha aquela oportunidade. levantei, fui ao banheiro e, na volta, não tinha mais forças para subir os degraus da escadinha que me levava ao andar de cima da beliche. foi então que percebi os braços vermelhos. eu não estava doente, não estava sofrendo, não tinha dores, marcas, manchas, machucados. era apenas o cansaço. com ajuda de quem não me lembro, subi. uma última olhada para os que estavam ao meu redor - eram poucos, e ouvi: é agora. depois disso, só lembro da minha mãe me sacudindo dizendo que eu estava atrasado para o trabalho. decidi que nunca mais quero morrer]
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