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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

ELT em alerta!

quem me conhece sabe o quanto fui participante ativo de muitas manifestações por aí, muitas delas vãs. entretanto, esta é totalmente plausível e por mais que eu não estivesse lá na ESCOLA LIVRE DE TEATRO, no ato público, apoio totalmente a manutenção do projeto que está ameaçado. para mais informações, clique aqui.

A CARTA ENTREGUE, na íntegra

Exmo. Sr. Prefeito
Sr. Aidan Ravin
Exmo. Sr. Secretário de Cultura
Sr. Edson Salvo Melo

Nós, abaixo assinados, da comunidade Escola Livre de Teatro – centenas de mestres e aprendizes, cidadãos e cidadãs de Santo André, de outras cidades de São Paulo e do Brasil, atualmente abrigados na ELT - respeitosamente manifestamos, através deste documento, nossa profunda insatisfação com os rumos que foram tomados quanto ao que consideramos o mais essencial e precioso no projeto artístico e pedagógico da Escola.

Trata-se, como é de amplo conhecimento, de um projeto que vem sendo construído há vinte anos, e adotado como referência Brasil afora, sem distinção partidária – justamente porque há o entendimento de que o que nele interessa não interessa a um partido em particular, mas aos cidadãos em geral, estejam eles nesta ou naquela agremiação. Quando saímos agora às ruas, senhores, estamos imbuídos antes de tudo do espírito de defesa de um projeto e sua História, construído nestas duas décadas sob o trabalho árduo e a invenção radical - que colocou a ELT como um dos mais importantes laboratórios para o teatro paulista – como pode atestar o próprio painel teatral, onde os mais importantes expoentes, ARTISTAS, são ou estiveram ligados à Escola.

Queremos deixar claro e firmado neste documento (e esta é a palavra final da coletividade – amplamente discutida entre mestres e aprendizes) que nossa motivação ao protesto neste momento não se dá em função da predileção por este ou aquele nome, por esta ou aquela cor partidária. Pensamos à frente e consideramos que preservar o projeto dinâmico e complexo da Escola é um trabalho para o presente, mas também para as gerações futuras da cidade e do país. Nossa tentativa e pedido de reavaliação da Gestão quanto a isso tem estas bases e deve ser compreendida nestes termos.

Ressalvamos que, sempre que solicitado, o Senhor Secretário nunca se furtou ao diálogo conosco, e em vários episódios esforçou-se por elucidar os equívocos de comunicação. E ao contrário do que foi divulgado, o seu mais evidente interlocutor e defensor dentro da Escola foi justamente o mestre Edgar Castro, recentemente demitido. Contradição que não nos cabe elucidar, mas que talvez interesse.

Escrevemos esta carta repletos da certeza de que seremos compreendidos, uma vez que a intenção de ambas as partes tem sido sempre a de criar as melhores condições para que a Escola funcione bem e sirva – como deve ser – aos interesses públicos e coletivos. Pois se esse é o desejo, concordamos e pactuamos com ele.

Tendo em vista os já decorridos oito meses da nova gestão, e evidenciando nossa ampla tolerância e tentativas de diálogo com relação a práticas administrativas em tudo distantes do que se afirmou nestes anos como o essencial ao projeto, chegamos a um ponto em que as contradições têm que vir a público, sob o risco de acabarmos nos acomodando em uma estrutura que desfigura tudo o que há de mais caro na nossa identidade artística, pedagógica e política. Elencamos abaixo algumas ações e práticas que consideramos incompatíveis e nocivas ao andamento sempre complexo, mas amplamente democrático e inventivo que vem marcando nossa vida escolar.
Da palavra "Livre" - presente no nome da Escola - emerge um campo pedagógico próprio, que pressupõe o conceito de deliberação coletiva, derivado do contínuo diálogo entre mestres, aprendizes e funcionários (constituintes legítimos da comunidade ELT), num processo de não-hierarquização, radicalmente contrário a imposições, especialmente quando elas surgem sem alicerces que justifiquem sua concretização.

Neste capítulo, evidenciou-se de maneira flagrante e muitas vezes constrangedora que a chegada da funcionária Eliana Gonçalves – certamente alguém da confiança do Executivo, o que nos parece uma operação legítima na governança - representou uma ruptura no processo de autonomia na pesquisa artístico-pedagógica e, sobretudo, política – naquele sentido do exercício DEMOCRÁTICO radical, do qual não abrimos mão. Mas chegamos, enfim, ao impasse. A constatação coletiva é a de que não podemos mais permitir continuidade à desestruturação diária dos pressupostos de trabalho criados e fortalecidos através de décadas. E de que a ingerência pouco esclarecida deve ser alterada – porque a convivência cotidiana deste confronto de idéias e de maneiras de ver a Formação na ELT vem desestruturando e desqualificando o que foi construído até aqui.
Basta observar a seqüência de fatos concretos, para que se perceba claramente que a atual administração não conseguiu nestes oito meses compreender o que é e o que significam do ponto de vista formativo as dinâmicas de convivência, trabalho e criação conjuntas característicos da Escola:

01. O desconhecimento total a respeito do mais elementar nas linguagens do teatro – conhecimento técnico e artístico – e dos profissionais ali presentes que, em sua maioria, não são de fato referências midiáticas, mas são todos referências na cena teatral nacional. E o desinteresse em conhecer verdadeiramente o processo do fazer teatral fundamentado neste equipamento. Muito diferente do que se tem argumentado, a competência técnica e o repertório até aqui apresentado restringem-se ao ensino formal e, ainda assim, permitam-nos, em coordenadas que nem mesmo as escolas mais antiquadas adotam mais. Da área de trabalho específica e urgente a este projeto até este momento não pudemos contar com nenhuma colaboração relevante.
02. A sua ausência no período noturno de funcionamento dos trabalhos, horário em que há o maior fluxo de aprendizes e mestres e, conseqüentemente, de demandas, impossibilitando um mínimo de aproximação afetiva e de diálogo.
03. O deliberado desprezo em relação aos momentos cruciais de tomada de decisões coletivas; sua reiterada falta de disposição para o debate, somada à quebra dos acordos feitos em reuniões com funcionários (nas quais participaram mestres e aprendizes), além das alterações no espaço funcional (alguns feitos sem prévia consulta à comunidade em período de recesso forçado), afetando diretamente o cotidiano dos aprendizes, tais como:
- Pintura das paredes da escola, certamente desejada, mas que foi realizada em período letivo, prejudicando a utilização do espaço durante as aulas, devido ao forte cheiro de tinta.
- Criação de duas copas separadas, eliminando o espaço de manufatura de adereços de cena e figurinos, alocando a copa de “alunos” numa área em condições não adequadas, onde transitam pombas e ratos. A “copa de funcionários” foi transferida para uma sala onde circulam fios elétricos de alta tensão, constituindo também um perigo a quem transita no local. Como se não bastasse, tal atitude é completamente contrária à criação do conceito de coletividade, trabalhada com muito apreço nesses quase 20 anos de ELT. Aqui há a substituição por atitudes e práticas com raiz na hierarquia surda e na separação anti-democrática de um campo COMUM da experiência formativa – que é central e inegociável para nós.
- Por fim, a sala de reuniões, materialização e símbolo do constante diálogo entre mestres, coordenação e aprendizes, foi alterada, transformada em sala de uso pessoal, eliminando concretamente o espaço de diálogo.
Obviamente, a intenção de limpeza e organização em que se baseiam os argumentos para essas mudanças certamente é bem vinda, mas o que ocorre neste caso são atitudes arbitrárias e pessoalizadas, calcadas em princípios de uso próprio e anti-democrático, não partilhados pelo coletivo ELT, ferindo nossos princípios pedagógicos.
04. A assustadora não-resposta às solicitações de diálogo feitas por todos os membros da Comunidade ELT (especialmente aprendizes e mestres), além de postura autoritária, omissa e por vezes agressiva nas poucas assembléias e reuniões em que esteve presente.
05. Atitudes inadequadas em relação às especificidades de cada um dos projetos criativos (materiais de cena que foram jogados fora sem nenhuma justificativa anterior; horários que foram desrespeitados; aprendizes que foram dispensados de aula sem prévia consulta ao mestre etc). O que significa, por um lado, o ignorar o uso prático e sensível de materiais da criação que, de fato, sob o olhar de alguém que não reconhece os processos teatrais nem a sua construção, podem parecer imprestáveis, mas que são fundamentais para os processos criativos.
06. A proposta de separação física e administrativa da ELT e do Teatro Conchita de Moraes, cujo espaço de extensão pedagógica foi pensado e estruturado desde sua reforma, em 1992. Esta idéia descabida foi, ao que parece, abandonada – devido ao seu total despropósito - sob a deliberação atenta do Senhor Secretário, que em tempo observou a necessidade e a pertinência das atividades da Escola em relação às do teatro.
07. A exigência de graduação superior aos professores, proposta que caminha em sentido radicalmente oposto à diversidade necessária ao projeto artístico-pedagógico da ELT, procurando deslegitimar este espaço como um lugar de experimentação artística, no qual mestres compartilham seus saberes baseados em suas pesquisas e experiências, na ativa e comprovada vivência teatral. Note-se que nos quadros há pesquisadores com extensa atividade artística, embora sem a graduação formal (ainda que premiados, inclusive internacionalmente), assim como há doutores e mestres formados nas melhores universidades do Brasil e que ministram aulas nas mais reconhecidas escolas de teatro do país (públicas e privadas).
08. A proposta de "re-adequação" da grade de horários e espaços físicos feita sem justificativa que contribua para o processo de formação artística e sem ouvir (sequer perguntar) sobre as necessidades de aprendizes, mestres e funcionários.
09. O equívoco na abordagem sobre a abertura de novas portarias e a possibilidade de transferência de encarregaturas, gerando especulações entre a equipe e abalando a relação desta, até então harmoniosa.
10. A renitente convicção de que a Escola necessitaria se adequar a um padrão inapropriado, trazido de fora para dentro, estranho à sua identidade arduamente constituída, e que mais se assemelha a uma antiquada imagem de anacrônico ensino formal e do serviço público em seu imaginário de antigas repartições, referências das quais a Escola Livre se compraz por ter superado.
Diante desses fatos, está instaurado um incômodo geral - notem, amplamente difundido na comunidade escolar, mestres e centenas de aprendizes - o que é muito negativo para o bom andamento de nossos trabalhos, transtornando o ambiente e atrapalhando o que de fato necessitamos fazer nesta escola: Teatro.
A Escola Livre de Teatro tem raiz na comunidade – seja no próprio processo de formação artística que a atende, seja nos espetáculos de seus aprendizes, que permanecem meses em cartaz, com ampla adesão do bairro, da cidade e de platéias vindas de outros lugares. Isso o Secretário pôde verificar pessoalmente. Mas esta relação se dá em bases de exigências artísticas rigorosas, que não barateiam os seus processos e tem respeito pelo cidadão, esteja ele na condição de aprendiz - no palco - ou espectador - na platéia.
Por todos estes aspectos acima expostos, solicitamos ao Executivo a reavaliação da demissão do coordenador e mestre Edgar Castro, que ajuda a construir a História da ELT há 11 anos de forma íntegra, inovadora e constante. Solicitamos também a transferência da funcionária Eliana Gonçalves para outro setor da municipalidade a que ela possa emprestar o seu conhecimento profissional de maneira efetivamente útil, segundo o seu perfil. Importante destacar que a Escola tem sim necessidade de funcionários que tornem ideal o seu funcionamento, porém devem estar afinados com os processos criativos e dinâmicas originais inerentes à formação crítica e poética do ator-criador da Escola Livre – que desde sempre foi um ponto distintivo de sua pedagogia.

Somos abertos à chegada do novo e nunca nos encastelamos em nossa diferença, mas desde que o novo esteja aberto ao diálogo e respeite nossa História, que não é apenas nossa, cidadãos, artistas e aprendizes que estão na ELT neste momento – mas a História de uma geração de artistas que dali saíram e continuarão saindo para ganhar os palcos brasileiros.

Comunidade ELT
Santo André, setembro/2009

3 comentários:

Para Além do Cuidar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Para Além do Cuidar disse...

Como podemos ajudar a pressionar os governantes, pois afinal pago os impostos para está prefeitura e acompanho desda primeira turma e sei da competência dos profissionais envolvidos, mesmo que ao longo desses anos nossos governantes tenham deixado a desejar no apoio a ELT

Eduardo Araújo disse...

Vou ler, eu sou sempre a favor da elt.